Perdidos no Tempo – Capítulo 5: "Contato"

quarta-feira, novembro 11, 2015

- Eu não devo alterar o passado.

Pedro quase não acreditou quando ouviu o homem à sua frente balbuciar aquelas palavras. Já era um avanço para quem passara as últimas horas olhando para a parede tentando tocar em algum pedaço específico. "Eu não devo alterar o passado", onde estava a lógica disso? Pedro pensou e fez a pergunta que em dois anos ninguém tinha feito àquele homem:

- E como você alteraria o passado?

Ele parou e o fitou por alguns segundos como se tivesse tido um lampejo de lucidez. Pedro chegou a pensar que ele responderia, mas este voltou à sua posição inicial repetindo o seu mantra. "Eu não devo alterar o passado".


O jovem estudante de psiquiatria não se deixou abater. Lembrava das aulas do professor Alberto que sempre dizia que para ajudar um paciente em surto era preciso embarcar em sua fantasia, criar um vínculo, fazendo-o confiar. Por isso, insistiu na pergunta.

- Como você conseguiria alterá-lo? O passado já foi. Entende?

Pelo visto não entendia, ou não queria entender. Olhara nos registros e, desde que chegara ali naquele manicômio público, o "homem nu", como ainda era chamado por todos, só tinha proferido estas mesmas palavras. Já tinham deixado de entendê-lo, mas não Pedro. Ele sabia que algo existia ali, que deveria haver alguma lógica, mas como acessá-lo? Como fazê-lo confiar?

Enquanto pensava, Pedro não percebia que também era observado. Na sala de segurança, Dra. Helen observava tudo através das câmeras, sabia que Pedro não estava dizendo tudo quando insistira em fazer sua pesquisa no Júlio Salles. O caso do “homem nu” chamara a atenção da mídia e de muitos estudantes de psiquiatria, mas nenhum tanto quanto aquele garoto. Ele pensara que a enganava com aquela desculpa do TCC, mas ela sempre soube que o que Pedro queria era se aproximar daquele paciente.

Agora ele estava ali, há exatas três horas e vinte e três minutos. Dra. Helen, de certa maneira, esperava que acontecesse algo. Fora avisada para ficar atenta. Ele parecia mesmo um garoto especial. Talvez a chave? Ou talvez o grande risco que eles sempre temeram. Porque ele tinha algo que o diferenciava de todos: ele realmente se importava.

A médica olhou para o relógio no mesmo momento em que o estudante. Pedro percebeu o avançar da hora e levantou quase em um susto. Tinha prometido à sua avó que pegaria sua irmã na escola. Olhou mais uma vez para o rapaz ali na sua frente, pegou o celular e apontou para ele, tirando uma foto.

O homem nu deu um pulo e um salto para um canto da parede. Pedro olhou mais uma vez para o relógio, mas não poderia sair sem entender o que tinha acontecido. Ele se aproximou do paciente e tentou acalmá-lo.

- Está tudo bem. Não se preocupe, foi apenas uma foto para estudar, não vou mostrar a ninguém.
- Alterar o passado, não devo alterar o passado. – repete ele nervosamente.
- Mas... Isso alteraria o passado?
- Não devo alterar o passado. – ele continuava olhando para baixo.
- Como? Como alterar o passado?

Após intermináveis segundos, o “homem nu” respondeu quase em um sussurro:
- Registrando tudo.


Um comentário

  1. O "homem nu" é um organismo bio-cibernético para compilação de dados através do tecido espaço-tempo. Ele está em curto-circuito temporal e precisa reiniciar suas funções neurais sem danificar o continuum presente.

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